dezembro 24, 2004

Contos de Natal (2): Rômulo e a mãe judia

Rômulo era de uma família católica típica: muita missa, pouca missão. No Natal, tudo como mandava a liturgia: ceia farta, árvore iluminada, aquela coisa. Mas Rômulo queria ser judeu. Ficou com idéia fixa desde que viu uns garotos de solidéu num filme antigo. Depois, aprendeu a palavra “iídiche” e, mesmo sem saber bem o que significava, adorou sua sonoridade, identificando-se ainda mais com a cultura judaica. Sua intuição se confirmou quando ganhou de presente um livro de piadas hebraicas e descobriu a mãe judia. Sua fascinação foi tão intensa, que resolveu fazer de sua mãe uma mãe judia, mas sabia que precisava fazê-lo sem que ela o soubesse.

A cada Natal, quando visitava sua família, tentava alguma coisa. Primeiro, deixou de levar um presente para a mãe, apenas o dela. Dona Mirtes, a princípio, estranhou o esquecimento; depois, acabou ficando satisfeita com o pensamento de que o filho estava tomando juízo e deixando de gastar dinheiro com besteira. Desolado, Rômulo foi adiante. No Natal seguinte, resolveu criticar sem piedade a camisa que sua mãe lhe dera de presente. Disse que era horrível e que era melhor não ter recebido nada. Dona Mirtes chegou a ficar engasgada, mas se resignou: o filho estava nervoso. E se calou sem esboçar reclamação. Mais uma vez desiludido, Rômulo resolveu dar sua cartada final. Disse à mãe que não iria para o Natal porque ficaria com a família de sua nova namorada. Desta vez — pensou — conseguiria: rejeição e troca por outra mulher, nada pode ser mais eficaz para despertar o instinto maternal judaico de toda mãe... Para desespero de Rômulo, Dona Mirtes não só compreendeu sua escolha, como ainda sugeriu viajar para confraternizar com a família da moça.

Desde então, Rômulo nunca mais foi visto. Uns dizem que enlouqueceu com sua fixação e se tornou o famoso mendigo erudito da Praça Andrade Neves, em Belo Horizonte, que fica lendo a Torá com uma pronúncia própria e sem entender nada. Outros afirmam que, na verdade, ele fugiu da família e se casou com uma menina judia, com quem vive ainda hoje, cheio de nostalgia do Natal. Pouco importa. O fato é que Dona Mirtes nunca mais o viu. Para compensar a perda do filho único, adotou um menino. Dizem que o garoto não pode nem ir à pracinha.

2 Comments:

Blogger david butter said...

Entendi! Dona Mirtes acabou virando uma mãe judia no fim das contas!

abs

4:40 PM  
Blogger Madame P. Mandrack said...

Taí, gostei. E a D. Mirtes sem entender nada. Imagina se ela resolvesse fazer uma sopa de matza pra ele e as bolinhas ficassem pegajosas, acho que ele desistiria.... Enfim ela não poderia adivinhar.

6:52 PM  

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