dezembro 07, 2004

“Um suco de garagem”

Há duas espécies de clichês: os ociosos e os negociosos. Dos primeiros precisamos e podemos até gostar, dada sua beleza vazia e pura. Dos últimos, queremos distância. Mas o Natal se aproxima e, com ele, o inevitável contato com os vendedores.

Na última passada num shopping — que Deus me proteja —, fiz uma descoberta assustadora. Que aquelas pessoas não pensam, eu já sabia. O que descobri foi que elas usam a mesma linguagem fora daquele ambiente. Fui ao banheiro e ouvi um vendedor falando ao celular:

— Olha, se você estiver cansado, não precisa ficar. Mas dê uma passadinha sem compromisso. Vai estar todo mundo lá. Se você quiser, posso falar com o dono da festa e reservar um convite, mas você precisa chegar cedo...

Senti pena dessas pessoas e fiquei imaginando o Nunes, vendedor profissional, em sua triste vida, misturando as linguagens das tantas lojas e setores em que trabalhou. Da concessionária de automóveis, levou algumas frases para a loja de sucos:

— Olha, o senhor precisa provar esse suco de goiaba. Tá novinho, novinho. Ele nunca foi oferecido pra outra pessoa. A goiaba veio de frete de Petrópolis, chegou agorinha mesmo. O senhor deu sorte. Eu não tava nem querendo oferecer esse suco, pensei em ficar com ele pra mim, mas o senhor é gente boa e eu percebi que tava querendo um suco bom, de qualidade, um suco sem problema, um suco de garagem...

Coitado, às vezes escorregava e misturava tudo. Uma vez, logo após deixar aquela loja de roupas num shopping, foi parar numa Pet Shop:

— Esse gatinho tá lindo mesmo. Tá saindo muito. A senhora não quer experimentar um? Isso, coloque assim no colo.. Perfeito! Olha, ficou muito bem na senhora. Parece até que foi feito sob encomenda. Uma graça. A senhora fica realmente muito bem de gato.

Mas o pior aconteceu em casa, com a esposa e os filhos. De tanto tratá-los como clientes, um dia, após uma tentativa frustrada de convencê-los a ficar em casa em vez de ir para o jantar de Natal na sogra, acabou ouvindo da mulher a seguinte resposta:

— Pode ser, vou pensar. Eu vou dar uma voltinha, para pesquisar um pouco, mas já, já estou de volta...

Ela nunca mais apareceu.

6 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Genial!

Ismael (http://omalfazejo.blogspot.com)

4:22 PM  
Anonymous Anônimo said...

adorei

10:14 PM  
Blogger Alan said...

Muito bom!
Tem muito vendedor nas salas de aula também:
www.escolasempartido.org

3:08 PM  
Blogger Liv said...

Genial!

http://gotoheaven.com.br

9:54 PM  
Blogger Madame P. Mandrack said...

Coitado do Nunes. Pense que se os vendedores são assim, pior os clientes que caem no papo deles, pode crer, fui vendedora por um mês(saí para entrar no BB). Sabe o mais legal de ter trabalhado em loja, e de vestuário masculino? Aprendi muito sobre tecidos. Até sobre isso oferecem cursos. Sei lá.. cultura inútil? pode ser....
Ah.... nem contei, tirei 100 na redação do Enem (isso tem muito a ver com as aulas, so posso agradecer).
Beijos

11:33 PM  
Anonymous Anônimo said...

topdoithttp commons educator exchanged sneaker incidentally selective forthcoming auroch popularized bravo
lolikneri havaqatsu

4:31 PM  

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