janeiro 31, 2005

Edukators é Os sonhadores piorado

Edukators (Die fetten Jahre sind vorbei) e Os sonhadores (The dreamers) têm algo em comum: um triângulo amoroso — e isso, dito assim, há-de ser lido com ressalva, já o sabe quem assistiu aos filmes — à Jules e Jim. Mas isso que aproxima os filmes também é o que mais os afasta. Explica-se: enquanto no filme de Bertolucci o triângulo está no cerne do que ele tem a dizer, no filme alemão (mais austríaco que alemão, a bem da verdade), o triângulo é o detalhe do enredo — detalhe muito significativo, e que serve a um paralelo curioso.

Os sonhadores dá uma cacetada com luva de pelica na imagem da juventude parisiense nos idos de 68. Mas a porrada não atinge ninguém, pois Bertolucci não conseguiria ser tão iconoclasta. Por isso, ao mesmo tempo em que o filme desconstrói a politização farsesca de dois irmãos franceses e o novo amigo americano, ele acaba repondo outra idealização — saborosíssima nostalgia do não-vivido — de uma certa procura por liberdade, beleza, amor, coisa e tal. Em outras palavras, Os sonhadores dormem até a pedra que lhes quebra a janela, quando acordam para seu engajamento de circunstância. Tudo ali é beleza: a menina, os meninos, a casa e até a rua, ao som de Piaf em câmera lenta. Tudo ali era beleza, beleza pura. A questão do filme é estética, jamais política; a questão daquela juventude idem. Por isso, o “soco no estômago” — como costuma dizer o populacho — também ganha a velocidade da câmera lenta. Fica bonito e não atinge ninguém, nem poderia; faz tempo que tudo isso se foi.

Edukators faz o inverso e lembra o que o Diogo Mainardi disse há pouco a respeito das críticas que recebe. Admitindo ser mesmo um Paulo Francis piorado, ele reconheceu nisso um sinal dos tempos, já que tudo está piorando. Edukators é Os sonhadores piorado. Há ali jovens num contexto político conturbado e que se vêem diante da procura por uma utopia. Na Europa quase-capitalista de hoje, a rapaziada se engaja em movimentos anti-globalização. Panfletos de dia, terrorismo “bem-humorado” (as if) à noite. Ao contrário dos personagens de Bertolucci, os alemães do filme falam as coisas que querem dizer; nenhuma sutileza, nenhuma sugestão: está lá tudo explicadinho. São irracionais esclarecidos, com argumentos para a guerra de informações (“esse seu tênis é fruto da exploração de não-sei-quantas crianças no raio-que-o-parta”), e toda a simbologia de aparato. Nem a trilha sonora de Leornard Cohen melhora o saldo, porque concorre com The Doors, Jimi Hendrix e Janis Joplin.

Mas tudo isso é acessório. Há algo em Edukators que comove sem intenção de fazê-lo, a julgar pela grosseria geral do filme. Numa cena, do meio para o final, o magnata coroa que está com os jovens — ponte entre 68 e hoje — sugere o amor livre do triângulo supostamente formado pela menina e os rapazes. O mal-estar se instala. Não há triângulo consentido, não há liberdade de verdade, é tudo da boca pra fora. Eis o ponto nevrálgico: enquanto num filme a experiência subjetiva romantizada seduz, inspira e excita, no outro, o palavreado político dá sono. Visto à luz de Edukators, Os sonhadores se torna melhor e serve de lição a quem não leu Nelson Rodriges.

A idiotia juvenil — que muitos preferem chamar de ingenuidade, à falta de eufemismo melhor — pode levar a duas experiências: os limites do mundo e os limites do corpo. Para a primeira, faltam a vivência e a serenidade de quem não chegou aos trinta; para a segunda, bastam os sentidos abundantes e os hormônios à disposição. Ainda assim, à revelia de todas as evidências oferecidas pela natureza, prefere-se empunhar a bandeira vermelha e ir ao Fórum. A certeza de quem não viu nada vale muito menos que o silêncio de que não está nem aí. Quando Os sonhadores termina, está começando Edukators; vai-se do sonho ao pesadelo. Numa realidade piorada, até que faz sentido.

5 Comments:

Blogger Bruno Rabin said...

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9:53 AM  
Blogger Bruno Rabin said...

Mariana, vale o aviso também ao IMDb (Internet Movies Database), ao Cineview, ao site de Cannes e à Amazon. Vou fazer a correção, mas fico muito sentido em me render ao imperialismo alemão da linguagem. Isso precisa mudar!

10:19 AM  
Blogger david butter said...

Bruno, assim vc vai acabar tirando o emprego de muito crítico farsante...

3:47 PM  
Blogger Sandra said...

Seu blog tem a mesma cara que o meu! Gosei muito dos textos. ah! cheguei aquí atraves do blog do meu amigo o malfazejo. Um abraço

8:30 PM  
Blogger Bruno Rabin said...

Davi, obrigado. Diria o mesmo sobre você em relação a outras farsas jornalísticas por ai.

Sandra, gosto muito do blog do Ismael. Volte sempre.

9:53 PM  

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