setembro 29, 2004

Ignorância e felicidade na letra de uma canção

Saber um idioma estrangeiro reduz à metade o prazer do desconhecido, ou o prazer do som das palavras desconhecidas. Isso vale para o cinema — claro —, mas principalmente para as letras de música.

Por isso, quando me falam das maravilhas da infância, eu só consigo me lembrar de uma: a de ouvir e cantar músicas em inglês sem ter a mais vaga noção do que se dizia por aqueles sons. Acho até que não se dizia nada — o que só endossa minha tese de que o som é superior ao sentido. Naqueles momentos, eu forjava minha primeira farsa e não sabia. Ah, se houvesse algum registro...

Na verdade, ainda bem que não há registro. A sedução da memória nebulosa é muito melhor que a prova científica. Também ela é pessoal e intransferível. E assim, entre sons desconhecidos e memórias incertas, fazemos nosso passado minimamente interessante.

Chego a supor que, nessas interpretações singularíssimas, nossa personalidade vai-se individualizando. Afinal, não usamos linguagem comum aos outros; não havendo código, não há comunicação intencional. Assim, whin óu in dru sin das biukanas não interessa a ninguém; é exclusivo, inédito, autêntico. Desconhecer um idioma e falá-lo talvez seja a melhor maneira de ter alguma originalidade, pelo menos num mundo pós-semiologia, pós-análise do discurso, pós-tudo.

Tudo isso é uma resposta a uma crítica de um amigo que me ouviu ouvindo “Hotel California”, do Eagles. Disse-me que eu deveria prestar atenção à letra — horrível, em sua opinião. Não o fiz, nem pretendo fazê-lo. De outras vezes, as músicas ganharam sentido e perderam todo sentido. Não quero estragar tudo de novo.