setembro 12, 2004

Mater dolorosa

Calou-se mais uma vez. Sabia que não adiantava argumentar. Sua mãe sempre teria a vantagem de poder chantageá-lo. Ela não o compreendia, nem agora, nem nunca. Ainda que ele insistisse em dizer que a escola não tinha importância e que poderia aprender muito mais com os amigos, ela fazia de tudo para que ele ficasse em casa. Preocupação inútil. Ele era teimoso. Mas ela insistia.

Ele desistiu de fazer a despedida. Havia pedido para conversar com ela apenas para satisfazê-la. Já antevia o choro e pretendia torná-lo menos incompreensível. Errou: mães não costumam ouvir, pois correm o risco de estar erradas. Preferem as lágrimas. Por isso, calou-se, deu-lhe um longo abraço e disse que ela não deveria ficar preocupada. Estava tudo sob controle.

Bateu a porta de casa e andou cerca de dez metros. Olhou para trás e entreviu a mãe pela fresta da janela. Ela chorava como nunca. Talvez antecipasse que sua teimosia o levaria a alguma aventura arriscada. Talvez temesse, talvez apenas estivesse arrependida de não tê-lo criado melhor. Assim são as mães, ele pensou novamente, antes de continuar andando. Que besteira!

Alguns quarteirões depois, pensou em ligar para casa, mas estava próximo demais de seu destino. Foi tomado pela tensão, embora soubesse que seria infantil voltar atrás e que alguém teria que fazê-lo. Respirou fundo e andou mais um pouco, até alcançar o banco da praça em que receberia a mochila com a encomenda. Não chegou a esperar mais que dois minutos. O enviado mascava uma goma qualquer e parecia calmo. Isso o tranqüilizou.

O azul da mochila lembrou-lhe outra vez a mãe, que vestia um véu em tom semelhante. Pensou novamente em ligar para ela. Pensou apenas; e continuou seu caminho. Quando finalmente chegou à porta da escola, respirou fundo mais uma vez. E mais uma vez pensou na mãe, vendo um caderno cinza na mão de uma aluno. Era igual ao que ela lhe dera no início do ano. Inútil, pensou, um segundo antes de ativar o detonador. Já não pensaria mais na mãe.