Nelson e as gotas de chuva
O trânsito estava lento. Era uma quinta-feira chuvosa e escura, lá pelas cinco da tarde. Nelson teve uma idéia. Colocou o rádio na estação que tocava música clássica e pôs-se a contemplar os pingos de chuva que caíam sobre o pára-brisa do carro, refletindo as cores das lanternas dos outros automóveis. Parecia que eles acompanhavam a melodia. Lindo, lindo, pensou. Aquilo tudo o sensibilizou demais. Nelson teve outra idéia. Estacionou o carro em um refugo à beira da Lagoa Rodrigo de Freitas, desligou o limpador e contemplou o infinito através do vidro do carro. A imagem dinâmica dos pingos coloridos ganhou uma imprecisão de contornos que acentuou a sensação bonita daquele momento. A música suave o envolveu por completo. Nelson começou a chorar.
Por que chorava Nelson naquele fim de tarde cinzento à beira da Lagoa? Será difícil dizê-lo. Não que ele tivesse tantas angústias e inquietações, que qualquer palavra fosse incapaz de dizer seu sentimento intenso. Nada disso. Na verdade, Nelson era o típico representante da mediocridade mundana. Não refletia muito, nem tinha grandes problemas existenciais. Se chorava, era por um motivo muito mais banal. Por que, então, a dificuldade em dizê-lo? Ora, porque o narrador fica constrangido em contar que Nelson chorava apenas pela beleza do choro. Não entendia nada de música clássica. Para ele, tratava-se apenas de trilha sonora. O colorido da chuva era seu cenário; o choro, seu enredo. Faltava-lhe argumento.
Desde pequeno, Nelson se sentia pertencente a uma espécie intermediária de homem. Não era um idiota, a quem coubesse estudar na véspera da prova, passar na reclassificação para uma faculdade particular e fazer planilhas pensando nas férias. Mas também não era uma inteligência à mostra, capaz de perceber com agudeza a realidade, identificar referências nos filmes ou escrever uma frase de efeito. Vivia no pior dos mundos. Admirava as profundidades, mas só podia contemplá-las da superfície. Queria mergulhar, mas se afogava a cada tentativa. A essa altura, o leitor deve imaginar que essa limitação consciente fazia de Nelson uma pessoa infeliz. Engana-se. A infelicidade seria demais para ele. Nelson não a alcançava.
Seus amigos e familiares dividiam-se entre os idiotas e os sensíveis. Os primeiros achavam Nelson idiota. Os outros não achavam nada. Algumas vezes, alcançou dos amigos inteligentes — na verdade, ex-colegas, que o convidavam ao cinema por falta de companhia — uma atenção momentânea. Num jantar ou numa festa de aniversário, formavam-se rodas de conversa. Nelson acompanhava todos os movimentos com dedicação concentrada. A cada lance, cada frase dita por um amigo, voltava a Nelson aquela sensação de sempre: a de que quase pensou o mesmo com alguns segundos de atraso. Era sempre assim; alguém sempre se antecipava a ele. Melhor que fosse dessa maneira, porque, nas poucas vezes em que deu um passo à frente, arrependeu-se mortalmente:
— Mas isso não é nada. Tem um livro...
De repente, todos o olhavam. E Nelson ia murchando, murchando, baixando a voz, até quase desistir de falar. Uma vez ou outra, um amigo mais próximo ainda tentou salvá-lo, elogiando seu comentário. Era uma concessão, e Nelson sabia disso.
Na verdade, Nelson tinha a impressão de que algo muito profundo, complexo e agudo se retorcia dentro dele. Era como uma intuição que, de tão singular, se fazia inefável. Para ele, era só ter um pouco mais de concentração e disciplina que as coisas se arrumariam. Achava que lhe faltava apenas confiança. Nelson se enganava. Faltava-lhe talento. E, à falta dele, sobrava-lhe vontade. Nunca, porém, a vontade superou o talento, mas isso Nelson não era capaz de perceber.
Naquela tarde escura, à beira da Lagoa Rodrigo de Freitas, Nelson quis sentir alguma coisa. A música o sensibilizou; o colorido informe dos pingos no vidro também. Algumas lágrimas correram seu rosto, e ele viu nisso uma bela analogia com as gotas da chuva. Poderia ter pensado que aquela água insistente e abundante representava a fluência que ele não tinha. Poderia, em vez disso, imaginar que aquela cena bela e vazia era uma metonímia para sua própria vida. Mas Nelson não pensava nada disso. Intuia algo grandioso, belo e comovente, mas não sabia bem o que era. Suas lágrimas cessaram logo, a chuva também, e a música deu lugar à publicidade. Nelson ainda tentou mudar de estação e olhar na direção de uma paisagem bonita, mas o sentimento o havia deixado novamente.
Por que chorava Nelson naquele fim de tarde cinzento à beira da Lagoa? Será difícil dizê-lo. Não que ele tivesse tantas angústias e inquietações, que qualquer palavra fosse incapaz de dizer seu sentimento intenso. Nada disso. Na verdade, Nelson era o típico representante da mediocridade mundana. Não refletia muito, nem tinha grandes problemas existenciais. Se chorava, era por um motivo muito mais banal. Por que, então, a dificuldade em dizê-lo? Ora, porque o narrador fica constrangido em contar que Nelson chorava apenas pela beleza do choro. Não entendia nada de música clássica. Para ele, tratava-se apenas de trilha sonora. O colorido da chuva era seu cenário; o choro, seu enredo. Faltava-lhe argumento.
Desde pequeno, Nelson se sentia pertencente a uma espécie intermediária de homem. Não era um idiota, a quem coubesse estudar na véspera da prova, passar na reclassificação para uma faculdade particular e fazer planilhas pensando nas férias. Mas também não era uma inteligência à mostra, capaz de perceber com agudeza a realidade, identificar referências nos filmes ou escrever uma frase de efeito. Vivia no pior dos mundos. Admirava as profundidades, mas só podia contemplá-las da superfície. Queria mergulhar, mas se afogava a cada tentativa. A essa altura, o leitor deve imaginar que essa limitação consciente fazia de Nelson uma pessoa infeliz. Engana-se. A infelicidade seria demais para ele. Nelson não a alcançava.
Seus amigos e familiares dividiam-se entre os idiotas e os sensíveis. Os primeiros achavam Nelson idiota. Os outros não achavam nada. Algumas vezes, alcançou dos amigos inteligentes — na verdade, ex-colegas, que o convidavam ao cinema por falta de companhia — uma atenção momentânea. Num jantar ou numa festa de aniversário, formavam-se rodas de conversa. Nelson acompanhava todos os movimentos com dedicação concentrada. A cada lance, cada frase dita por um amigo, voltava a Nelson aquela sensação de sempre: a de que quase pensou o mesmo com alguns segundos de atraso. Era sempre assim; alguém sempre se antecipava a ele. Melhor que fosse dessa maneira, porque, nas poucas vezes em que deu um passo à frente, arrependeu-se mortalmente:
— Mas isso não é nada. Tem um livro...
De repente, todos o olhavam. E Nelson ia murchando, murchando, baixando a voz, até quase desistir de falar. Uma vez ou outra, um amigo mais próximo ainda tentou salvá-lo, elogiando seu comentário. Era uma concessão, e Nelson sabia disso.
Na verdade, Nelson tinha a impressão de que algo muito profundo, complexo e agudo se retorcia dentro dele. Era como uma intuição que, de tão singular, se fazia inefável. Para ele, era só ter um pouco mais de concentração e disciplina que as coisas se arrumariam. Achava que lhe faltava apenas confiança. Nelson se enganava. Faltava-lhe talento. E, à falta dele, sobrava-lhe vontade. Nunca, porém, a vontade superou o talento, mas isso Nelson não era capaz de perceber.
Naquela tarde escura, à beira da Lagoa Rodrigo de Freitas, Nelson quis sentir alguma coisa. A música o sensibilizou; o colorido informe dos pingos no vidro também. Algumas lágrimas correram seu rosto, e ele viu nisso uma bela analogia com as gotas da chuva. Poderia ter pensado que aquela água insistente e abundante representava a fluência que ele não tinha. Poderia, em vez disso, imaginar que aquela cena bela e vazia era uma metonímia para sua própria vida. Mas Nelson não pensava nada disso. Intuia algo grandioso, belo e comovente, mas não sabia bem o que era. Suas lágrimas cessaram logo, a chuva também, e a música deu lugar à publicidade. Nelson ainda tentou mudar de estação e olhar na direção de uma paisagem bonita, mas o sentimento o havia deixado novamente.
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