Um olhar
Pela última vez, uma única vez, ela o esperaria. Estava sem maquiagem e sem salto alto, sentada de pernas descruzadas em uma cadeira desconfortável. Sobre a mesa, o café inutil.
Um minuto, uma hora, uma vida, uma vida e meia. Um café frio, um copo d'água. Desistiria, não fazia sentido esperar, e um olhar estranho a perturbava. Mas qualquer gesto seria uma denúncia: descontrole, desequilíbrio. Não esperaria mais, bastava que o olhar a deixasse ali, naturalmente sentada, contemplando a passagem de tudo, como quem sabe o que faz. Mas o olhar a fazia vitrine, mais exposta que nunca.
A decisão veio aos poucos, querendo escapar-se, desejosa de certeza. Seu corpo não atendeu à solicitação de movimento, ou atendeu, lentamente, dando notícia da indecisão, e — pior — voltando à cadeira, voltando à vitrine. Não era a primeira vez que isso acontecia, assim, na frente de todos.
Sempre que estava à espera se sentia assim. Mais de uma vez procurou a síntese entre o desejo e a ação. Não entendia a imobilidade, e não entendendo não tinha desejo o bastante para vencê-la. No último instante, a decisão parecia perder sentido, apagando-se em um quase desmaio. O corpo pendia, o olhar a retinha, o ímpeto esmorecia. Mas era preciso não esperar. Disso ela estava certa. Ou quase. Ou quase nada. Não, nem disso estava certa: o olhar a estava deixando.
O olhar a deixou. Agora que estava sozinha, a força se fazia ainda menor. Agora que poderia, não desejava. Sentada na cadeira ordinária, o café sobre a mesa, o copo d'água. Imóvel. O corpo todo desconfortável, uma impossibilidade. O olhar a deixou. Ela deixou de existir.
(Por fim chegaram as roupas da nova coleção.)
Um minuto, uma hora, uma vida, uma vida e meia. Um café frio, um copo d'água. Desistiria, não fazia sentido esperar, e um olhar estranho a perturbava. Mas qualquer gesto seria uma denúncia: descontrole, desequilíbrio. Não esperaria mais, bastava que o olhar a deixasse ali, naturalmente sentada, contemplando a passagem de tudo, como quem sabe o que faz. Mas o olhar a fazia vitrine, mais exposta que nunca.
A decisão veio aos poucos, querendo escapar-se, desejosa de certeza. Seu corpo não atendeu à solicitação de movimento, ou atendeu, lentamente, dando notícia da indecisão, e — pior — voltando à cadeira, voltando à vitrine. Não era a primeira vez que isso acontecia, assim, na frente de todos.
Sempre que estava à espera se sentia assim. Mais de uma vez procurou a síntese entre o desejo e a ação. Não entendia a imobilidade, e não entendendo não tinha desejo o bastante para vencê-la. No último instante, a decisão parecia perder sentido, apagando-se em um quase desmaio. O corpo pendia, o olhar a retinha, o ímpeto esmorecia. Mas era preciso não esperar. Disso ela estava certa. Ou quase. Ou quase nada. Não, nem disso estava certa: o olhar a estava deixando.
O olhar a deixou. Agora que estava sozinha, a força se fazia ainda menor. Agora que poderia, não desejava. Sentada na cadeira ordinária, o café sobre a mesa, o copo d'água. Imóvel. O corpo todo desconfortável, uma impossibilidade. O olhar a deixou. Ela deixou de existir.
(Por fim chegaram as roupas da nova coleção.)
1 Comments:
Ora, Márcio, bronca pública não vale, ainda mais para quem mal sabe em que botões mexer.
Mariana, também agradeço e convido ao retorno freqüente, que isto aqui deve
ficar agitado.
Postar um comentário
<< Home